Deito na mesma cama que é só minha e tem o melhor cobertor lilás da face classe média da terra, e: não sai nada. Leio um livro. Penso em como foi meu dia. Rabisco uma centena de frases desordenadas, complexas. Tudo vazio. Nenhum rosto que me dê saudade, ninguém que eu queira muito ver amanhã de manhã, que me faça lembrar o nome do perfume, ou por quem eu atravessaria o mundo, se preciso. Nadinha. Bate aqui no peito, cê sentiu? Oco. Beliscão já não machuca também, zero para a dor, menos um para a vibração. Por mais que grite, o eco volta - não há quem ouça do outro lado do abismo. Eu antes rezava, e pedia tanto, agradecia por tudo, conversava com Deus. Hoje nem sei mais o que quero, e fico só naquele clichê ave-maria e pai-nosso, e olhos fechados, morta de sono. Deixando meus santinhos, e minhas crenças, meu duende e o que me fazia acreditar em alguma final feliz, para trás, assim como você ficou na parte do caminho que nem ao menos enxergo; distante. Eu precisava de uma fé incalculável para arrastar aquele amor como fazia - pelas ruas, com lágrimas nos olhos - e então me agarrava como podia, no que dava, ia aparecendo. Fosse espiritismo, umbanda, numerologia ou os astros.
Agora que ele se foi, ficou o vazio, e uma vontade de guardar bem alto o álbum de recordações, e comprar um outro novo, com capa muito mais dura, e de beleza ímpar. Me julgo forte enquanto escuto uma música que antes me fazia querer morrer, e contrariada, continuo indiferente; impassível. Simplesmente porque não há mais o que sentir, e eu ando congelando no deserto. Deixando que a areia esvoace, o tempo passe, e a ampulheta esvaia os dois em tempo recorde. Pra que eu fique assim, calada e desinteressada, levando a vida com um jeitinho brasileiro que nunca me foi usual. Pacata, como nunca havia sido. Leve, quem sabe. E dar espaço para que as surpresas tornem a aparecer, dêem tempero ao caldo frio que a vida me dá, na maioria das vezes. Antes uma julgadora de quem nada sente, hoje eu compreendo, assinto a cabeça, reforço o coro. O que eu mais tinha medo que acontecesse, é que eu me tornasse indiferente e descrente de tudo aquilo que me fazia tentar mais uma vez, e outra mais. Conseguir não ter mais vontade de lembrar o seu número deletado do meu novo celular é uma vitória e tanto. Assistir aos filmes clichês americanos, e pensar que toda aquela babaquice não se aplica mesmo na vida real, sem chances para a ilusão. Ver os casais e refletir que ne sempre é o amor que vemos, que há por dentro, de muita traição está à solta e não a vêem, que há interesses divergentes entre relacionamentos de aparente igualdade, e que muitas vezes, o que sentimos não passa de uma novela mexicana das mais mal produzidas: nos engana direitinho, até o final. Ainda nos faz perder tempo com todo esse besteirol. Cética, duplamente forte, protegida. Na minha lista do que deve voltar ao normal, ainda não olho para as pessoas com curiosidade e atenção, e todos ainda me são tão desinteressantes, iguais e sem nenhum brilho despudorado, digno de tempo e atenção. Se disser que não choro mais, é verdade também. Absoluta ainda não, porém, passo pela esquina no caminho do teu prédio, e tem dias que nem noto. Insensibilizar nunca me foi tão aliviante, renascedor. Por mais longínquo que esteja o ano novo, me dá vontade de comemorar essa nova fase que em mim inicia por agora, e se transmuta em atitudes e pensamentos; aprendizados e crescimento. Mente aberta, e folha em branco, decidida. Começa hoje o novo capítulo de um ciclo que se não for inovador na marra, será por obrigação. Ousado, desconcertante, intenso. Alucinante, desgovernado. De agora em diante, do meu jeito, com a minha digital, por mim assinado. Se perguntarem por onde anda a menina dos sonhos impossíveis, com mil e uma histórias de amor, e um coração que nela não cabe, diz que foi passear - que conhecer novos campos se fez necessário, crucial. Caneta, por favor?
Camila Paier